Vivo em labirintos sobrepostos, cheios de camadas desencontradas de emoções.
Quanto de mim mora em mim? Quanto das minhas palavras ousam dizer o que eu realmente digo com os pensamentos? Certamente que estou inteira dentro do meu caos, mas quanto de mim se revela?

Ainda que reproduza um discurso fiel às minhas reflexões, ele se balançaria com o vento, deixando outra mensagem no ar. Ser o que se é, não é tão evidente quanto os rótulos que nos damos.

Onde eu estava quando não fiz o que eu faria naquela situação? Será que estava em mim?
Essa possibilidade me causa espanto. As palavras ditas e silenciadas, as paixões e desenganos, as escolhas certas e equivocadas, era eu a decidir tudo?

Sei que a superfície não me contempla por inteiro, por isso me coloco em interrogação, mas a minha confusão pode ser mais clara que as certezas aclamadas como uma lança que acerta o alvo.

Mas vejo que não sou tão rasa quanto me deixo parecer em monólogos disfarçados de diálogo, mas ainda não conheço a profundeza do meu mar. Não suportaria passar pela escuridão para chegar à luz que se abriga em mim.

Qual seria a reação daqueles que me conhecem pela janela dos seus olhos, se me olhassem por dentro de mim? Não sei se seria amada ou odiada, sei apenas que ficariam surpresos ao descobrirem o que penso a respeito de suas vidas, mais ainda surpresos ao descobrirem que nunca parei para pensar em alguns, embora acreditem ser alvos das minhas solitárias conversas mentais.

Sinto-me como uma obra literária escondida pelo conteúdo impróprio, e, mesmo assim, lida por tão atraente mistério. Se colocar dentro das palavras é um risco, mas deixe ser. Depois, eu mesma me reprovarei.

O medo de não ser o que se espera é um dos responsáveis pelas nossas ausências, mas o que seríamos sem esse medo? O primeiro pensamento que tenho é de uma clara coragem e crescimento, mas logo em seguida contemplo um marasmo conformismo.

O meu corpo e a minha alma não se culpam, juntos, me acusam, afirmam que não colaboro com o que estão destinados a ser. Desconheço esse caminho que definem longe do que sou capaz de alcançar, porém eu me abro ao desafio da descoberta.

Não sabotarei a essência que corre nas veias dos meus dias. Carregarei o velho baú que me guardou, pois estava lá antes das primeiras feridas, conheci os sons mais encantadores, rabisquei as paredes, descobri que um pedaço de terra alimenta sonhos e um pedaço de bolo alimenta bons momentos.

As camadas que me compõem são remetentes que chegaram ao meu caminho, mas não quero ser o resumo de postais recebidos. Quero que os meus olhos descubram, minhas mãos toquem e que o meu coração sinta em primeira pessoa.

Não há outra forma de caminhar para fora de si, é preciso estar dentro, mergulhado nas experiências. Não basta ir, é preciso estar.

Farei todos os questionamentos necessários, mas não me bastarei em perguntas incapazes de responder o que eu não vivi. Tudo o que não foi revela a outra face do meu eu.

Sei que tenho um endereço exato, mas deixei um pouco de mim nos jardins que ainda não visitei. Pode ser que o meu pensamento estivesse lá no momento que eu não estava inteira em mim.
Eu poderia lhe dizer da dor que senti, poderia até mapear os rastros de tristeza pela sua partida, mas cada passo me devolvia a certeza da decisão. Tentei olhar para o novo que se abria, só encontrei vitrais iluminados sem indicação de uma imagem real que me fizesse acreditar que as flores voltariam a se abrir. 
Tudo se configurou como um jogo sem peças, estávamos ausentes de nós e perdidos um no outro. O vento soprava partículas de esperança que se desmanchavam com um simples toque. Nos tornamos como uma aquarela manchada e sem forma, não reconhecia as cores que me perfilaram antes de você, apenas observava a mistura de tons que pintaram nosso amor. Não era vermelho, nem ardente, não tinha a suavidade do azul, muito menos o encanto do verde. Era alaranjado como o pôr do sol e feito para durar pouco.  
Ainda não conhecemos poesia capaz de descrever o que os nossos olhos diziam quando se olhavam, mas nenhuma palavra seria tão bela quanto o silêncio que enlaçava as nossas almas.  
Procurei a sinfonia perfeita para ritmar os nossos dias, mas me abrigava nas canções do Andrea Bocelli, enquanto você se embalava com a "Insensatez", do João Gilberto.  
Além de todas as diferenças que contornavam nossas opiniões, nossas vontades deixaram de ser um ponto de encontro, para se tornar um ponto de partida. 
Parei na diferença que nos separava. Recolhi os versos que seriam lidos. Meu coração silencioso se tornou mudo. 
Você partiu e deixou tudo em mim. Eu me recusei a ser um depósito de lembranças, colecionando figurinhas repetidas para álbuns inacabados. Permiti que o tempo cumprisse a sua saga do esquecimento e  percebi que sua falta completou o que faltava em mim. 
Estava inteira na minha incompletude, pertencente ao meu presente e de olhos erguidos para as possibilidades. Mas estava só.
Eu e o tempo nos fizemos companhia. Mas te reencontrei ao visitar o museu que sempre se negou a conhecer. Você contemplava a minha obra predileta, "Saudade", do Almeida Júnior.  Seus olhos corriam por toda a tela, e os meus corriam sobre você. Poderia me afastar, porém eu nunca me nego a oportunidade de ver essa pintura.  
Aproximei os meus passos. Você deu um tímido sorriso ao notar a minha presença, e ficamos por alguns minutos a contemplar a obra. Nenhuma palavra novamente foi dita, e foi a primeira vez que olhamos juntos para a mesma direção. A ausência amadureceu o "eu" de cada um, para que, agora, a presença do "nós" se fizesse mais clara. 
Não nos transformamos em um hibridismo vazio de personalidade, mas encontramos a beleza das nossas diferenças. Você me olhou, eu te olhei, e desejamos a presença.  Não optamos pelo medo da solidão, nem pelo comodismo dos casais que arrastam a relação como um bichinho de estimação. 
Descobrimos que estávamos um no coração do outro, descobrimos os erros e a insegurança. Mas foi a diferença que colocou o nosso amor em igualdade.



"Peça para fazer um mapa" é um texto inspirado nos desencontros que  vivemos, é a tentativa de se fazer novamente reconhecível pela outra pessoa, sem perceber que as mudanças já não facilitam esse olhar.
É um coração que se reapresenta para alguém próximo e igualmente distante, mas é também um desafio ao novo, deixando que os recomeços aconteçam.

Existem coisas que demoramos a aprender, não importam quantas lições de casa já fizemos ou se conseguimos ganhar os três pontos decorando a oração da Salve Rainha na catequese, alguns aprendizados custam tempo. 
Eu sempre carreguei a certeza de que a minha sensibilidade fosse uma fraqueza, me deixando vulnerável a todo tipo de mágoa e ressentimento.   
Eu tateei meus defeitos e me fiz refém da minha própria insegurança.  Guardei em mim lembranças de amizades já apagadaem outros corações e me silenciei diante de mentiras bem estruturadas para determinadas situações.   
Chorei, chorei quando não consegui, chorei quando fui ferida e quando feri alguém.   
Ouvi respeitosamente a desagradável grosseria de quem não sabia soletrar nem o meu nome.  
Confiei uma, duas, várias vezes em quem se ocupou de sarcasmos na mesma esquina dedicada aos abraços acolhedores.   
Culpei-me pelos momentos que não fui tão paciente com quem optou pela indiferença em forma de palavras bem pontuadas e acompanhadas de um sorriso satisfatório.   
Mas cada um desses momentos se tornou a mais bela ferramenta e repertório para a construção do meu ser.  
Descobri a graça de observar as pessoas além do certo e do errado, encontrando a subjetividade que contam os seus olhos.   
Ensinou-me que a dureza das palavras revelam medos escondidos nos escombros da insegurança. 
Mostrou-me que existem conflitos sentimentais que serão superados com o tempo e a verdade, independente de quantos conselhos você tenha ouvido ou dos cursos de formação que tenha participado.   
Mostrou-me que quem confia não perde, se entrega.   
Descobri que as minhas lágrimas são regadores no terreno do meu coração e me fez entender que a sensibilidade que me fragiliza é a mesma que se faz ponte para que eu conheça a outra margem do rio.   
Aprendi que existem aproximações que são apenas um calculo de perguntas para me tornar tema de  algum grupo de conversa que eu provavelmente nunca participaria.   
Aprendi que cada um dos meus erros não são facas afiadas para me ferir, são adubos que fertilizam a minha trajetória.   
Descobri que algumas marcas são essenciais para descobrirmos novas estradas, sem que apaguemos a nossa jornada já percorrida. 
Mostrou-me que existe beleza no labirinto reto do meu coração, pois todos os atalhos me levam para a estrada de fidelidade ao meu coração.  
Descobri que existem professores que ensinam mais que as letras, devolvem a essência das palavras e reapresentam as virtudes que eu conhecia apenas como limite. Não testam apenas o conhecimento adquirido, mas se alegram com a emoção que colocamos no processo de aprendizagem. Corrigem-nos não apenas para acertar, mas para nos aproximar da verdade que queremos dizer. Eu encontrei a graça de aprender com uma professora que olhou a minha sensibilidade como possibilidade, recolocando cada experiência como essência da construção do meu repertório. Parece algo simples, mas é maravilhoso perceber que a verdadeira lição de casa era me redescobrir. 
Não fique na certeza de que sou a mesma, pois a decoração dos móveis mudou, a pintura é outra e as flores foram trocadas, mas se não me reconhece é porque não foi capaz de alcançar a minha essência, pois as paredes continuam de pé, o piso que ajudou a colocar ainda está aí, além daquele quadro que permanece na sala. 
Retirei alguns cacos, brincos quebrados e artesanatos inacabados, joguei fora algumas anotações desnecessárias e devolvi os livros que orientavam sobre projetos que não me interessam mais.  
Claro que a caixa de recordações continua intacta, além de algumas camisetas que eu nunca mais usarei, mas ainda estão guardadas como uma espécie de trajetória contada por elas, (tá, isso tá errado, devia fazer algo, mas acho que não tenho coragem de me desfazer). 
Menos pulseiras, mais batons, caixinhas organizadoras nada organizadas e uma música sempre na cabeça.  
Me tornei impaciente a determinadas situações desde o dia que o meu lanche foi interrompido por um comentário inoportuno e excessivamente vaidoso, foi a primeira vez que não temi desagradar, me levantei e fui pra casa. 
Cortei os jeans folgados, percebi que estou sempre costurando nas fotos de família e continuo falando sozinha.   
Deletei algumas mágoas, mas também criei outras na minha mente. 
Não tenho paciência para política bipolar, nem para periódicos prontos. 
Continuo gostando de sorvete de flocos, pão de queijo e orégano.  
Me perco na beleza de uma paisagem da mesma forma que me encanto com as obras do José de Almeida Júnior, mas também contemplo facilmente um simples vaso de violetas azuis.
Pode ser que você tenha observado apenas o que era temporário em mim, deixando passar o que é duradouro, pois todo o ativismo exausto de tentar pôde descansar em uma suave paz celestial. 
As gavetas ainda guardam os retratos, eu ainda faço piada de alguns acontecimentos da minha vida e evito falar das coisas brilhantes, pois a maioria das pessoas estão preparadas apenas para o riso debochado, não para partilhar o sorriso de alegria por alguma conquista. 
Tente me reconhecer pelos rabiscos no chão da varanda ou pela alegria que sinto em fazer coisas simples, me reconheça pelo único desenho que sei fazer ou pela falta de motivação com trilhas sonoras que não tocam nenhuma das músicas que ouço. 
Me reconheça por descrever os sentimentos das pessoas ou pelo silêncio que me revela, pelo sorriso que é choro ou pelo bom humor em dias livres. 
Mas se ainda assim não consegue me reconhecer, apenas peço desculpas por não ter deixado um mapa para me encontrar, mas estou certa de que existem outras casas com a mesma decoração antiga que eu tinha, poderá se abrigar lá, mas peça para fazer um mapa, pois não se perderá quando as mudanças começarem.