Não fique na certeza de que sou a mesma, pois a decoração dos móveis mudou, a pintura é outra e as flores foram trocadas, mas se não me reconhece é porque não foi capaz de alcançar a minha essência, pois as paredes continuam de pé, o piso que ajudou a colocar ainda está aí, além daquele quadro que permanece na sala.
Retirei alguns cacos, brincos quebrados e artesanatos inacabados, joguei fora algumas anotações desnecessárias e devolvi os livros que orientavam sobre projetos que não me interessam mais.
Claro que a caixa de recordações continua intacta, além de algumas camisetas que eu nunca mais usarei, mas ainda estão guardadas como uma espécie de trajetória contada por elas, (tá, isso tá errado, devia fazer algo, mas acho que não tenho coragem de me desfazer).
Menos pulseiras, mais batons, caixinhas organizadoras nada organizadas e uma música sempre na cabeça.
Me tornei impaciente a determinadas situações desde o dia que o meu lanche foi interrompido por um comentário inoportuno e excessivamente vaidoso, foi a primeira vez que não temi desagradar, me levantei e fui pra casa.
Cortei os jeans folgados, percebi que estou sempre costurando nas fotos de família e continuo falando sozinha.
Deletei algumas mágoas, mas também criei outras na minha mente.
Não tenho paciência para política bipolar, nem para periódicos prontos.
Continuo gostando de sorvete de flocos, pão de queijo e orégano.
Me perco na beleza de uma paisagem da mesma forma que me encanto com as obras do José de Almeida Júnior, mas também contemplo facilmente um simples vaso de violetas azuis.
Pode ser que você tenha observado apenas o que era temporário em mim, deixando passar o que é duradouro, pois todo o ativismo exausto de tentar pôde descansar em uma suave paz celestial.
As gavetas ainda guardam os retratos, eu ainda faço piada de alguns acontecimentos da minha vida e evito falar das coisas brilhantes, pois a maioria das pessoas estão preparadas apenas para o riso debochado, não para partilhar o sorriso de alegria por alguma conquista.
Tente me reconhecer pelos rabiscos no chão da varanda ou pela alegria que sinto em fazer coisas simples, me reconheça pelo único desenho que sei fazer ou pela falta de motivação com trilhas sonoras que não tocam nenhuma das músicas que ouço.
Me reconheça por descrever os sentimentos das pessoas ou pelo silêncio que me revela, pelo sorriso que é choro ou pelo bom humor em dias livres.
Mas se ainda assim não consegue me reconhecer, apenas peço desculpas por não ter deixado um mapa para me encontrar, mas estou certa de que existem outras casas com a mesma decoração antiga que eu tinha, poderá se abrigar lá, mas peça para fazer um mapa, pois não se perderá quando as mudanças começarem.