Eu poderia lhe dizer da dor que senti, poderia até mapear os rastros de tristeza pela sua partida, mas cada passo me devolvia a certeza da decisão. Tentei olhar para o novo que se abria, só encontrei vitrais iluminados sem indicação de uma imagem real que me fizesse acreditar que as flores voltariam a se abrir. 
Tudo se configurou como um jogo sem peças, estávamos ausentes de nós e perdidos um no outro. O vento soprava partículas de esperança que se desmanchavam com um simples toque. Nos tornamos como uma aquarela manchada e sem forma, não reconhecia as cores que me perfilaram antes de você, apenas observava a mistura de tons que pintaram nosso amor. Não era vermelho, nem ardente, não tinha a suavidade do azul, muito menos o encanto do verde. Era alaranjado como o pôr do sol e feito para durar pouco.  
Ainda não conhecemos poesia capaz de descrever o que os nossos olhos diziam quando se olhavam, mas nenhuma palavra seria tão bela quanto o silêncio que enlaçava as nossas almas.  
Procurei a sinfonia perfeita para ritmar os nossos dias, mas me abrigava nas canções do Andrea Bocelli, enquanto você se embalava com a "Insensatez", do João Gilberto.  
Além de todas as diferenças que contornavam nossas opiniões, nossas vontades deixaram de ser um ponto de encontro, para se tornar um ponto de partida. 
Parei na diferença que nos separava. Recolhi os versos que seriam lidos. Meu coração silencioso se tornou mudo. 
Você partiu e deixou tudo em mim. Eu me recusei a ser um depósito de lembranças, colecionando figurinhas repetidas para álbuns inacabados. Permiti que o tempo cumprisse a sua saga do esquecimento e  percebi que sua falta completou o que faltava em mim. 
Estava inteira na minha incompletude, pertencente ao meu presente e de olhos erguidos para as possibilidades. Mas estava só.
Eu e o tempo nos fizemos companhia. Mas te reencontrei ao visitar o museu que sempre se negou a conhecer. Você contemplava a minha obra predileta, "Saudade", do Almeida Júnior.  Seus olhos corriam por toda a tela, e os meus corriam sobre você. Poderia me afastar, porém eu nunca me nego a oportunidade de ver essa pintura.  
Aproximei os meus passos. Você deu um tímido sorriso ao notar a minha presença, e ficamos por alguns minutos a contemplar a obra. Nenhuma palavra novamente foi dita, e foi a primeira vez que olhamos juntos para a mesma direção. A ausência amadureceu o "eu" de cada um, para que, agora, a presença do "nós" se fizesse mais clara. 
Não nos transformamos em um hibridismo vazio de personalidade, mas encontramos a beleza das nossas diferenças. Você me olhou, eu te olhei, e desejamos a presença.  Não optamos pelo medo da solidão, nem pelo comodismo dos casais que arrastam a relação como um bichinho de estimação. 
Descobrimos que estávamos um no coração do outro, descobrimos os erros e a insegurança. Mas foi a diferença que colocou o nosso amor em igualdade.



"Peça para fazer um mapa" é um texto inspirado nos desencontros que  vivemos, é a tentativa de se fazer novamente reconhecível pela outra pessoa, sem perceber que as mudanças já não facilitam esse olhar.
É um coração que se reapresenta para alguém próximo e igualmente distante, mas é também um desafio ao novo, deixando que os recomeços aconteçam.